30 de junho de 2005

Pichiuinha Trinca - Linhas




Olá, eu sou a Pichiuinha Trinca-Linhas, uma boneca de trapos, à maneira antiga, mas também muito moderna – eu já explico.
Sabes que agora, nos tempos que correm – não sei se são os tempos que correm, se são as pessoas que andam sempre aceleradas e não prestam atenção --, deu-se uma invasão de bonecas de borracha ou plástico, todas cheias de cor, cheias de roupas brilhantes, lantejoulas, vestidos da moda, pinturas, secadores de cabelo, cremes, casinhas de plástico que parecem palácios ricos. Elas dominam as prateleiras dos supermercados, dos hipermercados e até das lojinhas de bairro ou aldeia. Dizem que é o progresso, os tempos modernos, mas eu não sei, tenho as minhas dúvidas. Esta cor toda, este excesso de brilhos acaba por apagar coisas que eu considero mais importantes. O quê? Já vamos ver. Essas bonecas e bonecos, sim, porque isto não é exclusivo do sexo feminino, são tão diferentes e acabam por parecer todos iguais, isto é, as crianças não parecem ganhar-lhes grande afeição, porque são aos milhares ou mesmo milhões, e parecem perfeitinhos, não são nada parecidos com as pessoas... que são únicas e têm os seus defeitos como toda a gente. Os pais compram e compram, mais e mais, e os meninos e as meninas acabam por se habituar a trocar e trocar de boneco ou boneca. Eu fico triste com isto, até por essas minhas primas, que também ficam tristes, coitadinhas. Mas a culpa não é delas, claro. Já não há aquela amizade que havia com as bonecas de trapos, que era para uma vida, não passava de moda. Por exemplo, eu tenho uma prima, a Julinha, que é boneca de trapos antiga, mas mantém os paninhos todos no sítio, bem estimada, com uma história, uma vida cheia de aventuras, de sentimentos, de alegrias e tristezas, partilhadas com a sua dona, que a conserva desde a infância. As bonecas de trapos são macias, amigas, estão presentes nos momentos de alegria e tristeza, sabem ouvir e guardar segredos, passam de pais para filhos como uma herança, uma recordação de família, do amor que liga as diferentes gerações, as pessoas que se gostam. Quando nos estragamos, por descoser alguma linha, basta pedir à mamã ou à avó e elas facilmente resolvem o problema. E sabes que mais, eu tenho no meu peito uma janelinha que se abre para uma caixinha onde guardo segredos, onde podes colocar uma carta, um papel com um segredo, uma flor, alguma coisa de que gostes muito, para andar sempre contigo e comigo, bem perto do coração. Eu sei que contigo vai ser amizade para sempre e nunca me abandonarás. Eu terei sempre um sorriso para ti. Basta que feches os olhinhos e me encostes ao teu rosto... o resto é só sonhar...

Estória de Ângelo Ferreira

À venda na Livraria Pequeno Herói Largo da Graça, 79, Lisboa

Sem comentários: